sábado, 15 de dezembro de 2018

O menino religioso da internet.


Crônicas de um morto.

O menino religioso da internet.

Desci, andei por uma hora, eram degraus, véio, rodei meio mundo nessa descida. 

Karaí, foi feio o meu sacode, vi que o meu corpo, era apenas bagaço de laranja,

Esvaziei o meu corpo, não tinha mais nada pulsando nele, o sangue coagulou nas veias, os nervos amoleceram e os músculos enrijeceram, não lembro ao certo, sei que o corpo estava na vala, cavado com uma enxada, uma cova rasa, olhei de cima e vi que esse ele era eu, meu corpo.

Morri em um dia 13, um treze que foi como um ato institucional no meu nascimento no dia cinco do doze de 1968, estava sentado e o suspiro sumiu dos meus lábios, o pulmão parou de puxar, os olhos vidraram na parede, e o cérebro só percebeu o teto, estava caído, agonizando, não respirava, sentia a vida sumir, minha consciência lentamente adormecer, dentes rangendo, a minha língua cortada.

Perdi, o jogo não era meu, aceitei, fui para longe do meu corpo morno, olhei o túnel, mas não tinha túnel, olhei para frente, não tinha frente. Procurei os meus dedos, não estavam no meu celular, não tinha um celular, nem uma foto para postar, nem uma curtida, karaí, que porra aconteceu comigo?  Morri em um dia de sexta. Percebi que não poderia mais voltar para as minhas redes sociais, não tinha como criticar a morte por não viver fora do meu quarto. Não tenho mais a “minha opinião”.

Eu percebi que tudo estava escuro, reparei que as minhas roupas estavam rasgadas, o meu pé esta na lama, uma escuridão, eu não via nada, sentia frio, não tinha corpo mas tudo doía, os meus olhos então. Sentei e senti uma fome que parecia que o meu estomago estava digerindo ele mesmo. Ouvi gemidos, berros, agonia em todos os lados, eu senti medo, eu estava longe do meu computador, do meu quarto, estava desprotegido, não podia xingar ou achar, estava torcendo para achar uma luz na meio da escuridão frenética.

Andei, e me sujei mais do que já era, desci com a alma suja, uma sujeira que não adiantava lavar, um risco de moral é o que brilhava na minha veste resgada, encontrei um ser estranho, não era humano, era uma fera, de correntes dobradas no pescoço, tinha um rugido de besta, uma besta que me agarrou pelo braço, um apertar forte, tão forte que parecia que ia arrancar ele fora. Olhou bem nos meus olhos, soltava uma brasa das suas ires, uns dentes atravessando os lábios. Me puxou, me acorrentou com as correntes que trazia em seu pescoço e me fez andar a base de chibatas. Apanhei, apodreci, desfaleci por muitas vezes, os dias eram eternos, as noites nunca sumiam de lá, e eu sendo violentado sexualmente por esse e outros seres.

Tinha que fazer de tudo, virei um escravo, me ferrei todo. E começava a lembrar da minha vida na terra e comecei a perceber os meus pecados e o motivo de estar sofrendo tanto. Não existe paz depois da morte pessoas. Carregamos conosco o nosso preconceito, a nossa arrogância, os nossos privilégios, que lá não são privilegiados. Morrendo não só viramos comidas de vermes, mas vermes prostituídos, sem gêneros, só prazer para satisfazer aqueles que nos estimularam a cometer os nossos erros e ainda acharmos melhores que os outros.

Nunca mais na minha eternidade, nunca mais, cometerei o erro de julgar e agir de forma equivocada e sem amor só por que estava no meu quarto, no meu computador, em uma rede social. E achei que o odiar me livraria do inferno e me levaria para o céu. Fui para o inferno por mandar pessoas diferentes ir para lá.  Eu nunca vi ninguém diferente, só vi iguais e, percebi que a minha moral e religião só fez de mim um instrumento de abuso e violência. O meu corpo virou um bagaço de laranja no salve que levei nos porões da cidadela do meu ídolo Ustra. 

Francisco Maia


sábado, 15 de setembro de 2018

Viver livre é libertar.


Viver livre é libertar.

A história não se repete, ela não é cíclica, mas utiliza de roupagem do passado, os acontecimento são semelhantes, sempre tem um “quê” de moda retrô. As pessoas são diferentes, o contexto, tecnologia, sociedade, economia e política. Bem, a política continua entoando o status do passado. Analisando brevemente o cenário político do Brasil nesse momento, consigo observar heranças, permanências e poucas mudanças. Não precisamos nem recorrer a Hitler, podemos olhar o Plano Cohen, podemos ver a Marcha da família com Deus pela liberdade, para perceber o que está acontecendo, mas só que agora não são os católicos que outrora eram os opressores, agora são os oprimidos.
Uma democracia servindo de base para um autoritarismo, um mantra sendo entoado, tudo culpa dos “comunistas”, sem que as pessoas saibam o que é a teoria, e muito menos demagogia.  Uma democracia sendo subjugada por um candidato que não vai assumir, quem vai assumir é o seu vice, e seu vice é, o que por muito tempo já esta escrito na nossa história, um passado militar, aclamado por uma população que viveu a sua liberdade sem saber o que fazer com ela, que estão ficando velhos, morrendo, sofrendo com as recordações de suas liberdades e erros, pedindo perdão para o pai, voltando para casa e aceitando os seus castigos, pois foram imprudente, perdão meu pai!
Estou preocupado com o meu Brasil, não quero que os meus filhos fiquem sem provar a liberdade que um dia tive, só por me sentir culpado por ser livre. A história não é cíclica, ela tem uma retrô, vamos fazer esse desfile ser do século XXI e não do XX.
Francisco Maia.  

domingo, 2 de setembro de 2018

Formação de uma nação.


Formação de uma nação.

Nascer nativo, eurocêntrico, um índio.
Nascer afro, eurocêntrico, escravo.
Nascer eurocêntrico, imigrante, eugênico.
Nascer brasileiro, nascer colonizado.

Pensar que sou descendente de nativos,
Pensar que lutaram contra a colonização,
Pensar que Cunhabebe lutou na confederação.
Tamoios traídos por um padre, Anchieta.

Pensar que sou descendente de negros,
Pensar que lutaram contra a escravidão,
Pensar que zumbi e outros quilombolas lutaram e morreram.
Palmares o melhor exemplo de resistência. Resistir, sempre!

Pensar que sou descendente de europeu,
Pensar que colonizaram, mataram, massacraram,
Pensar que por causa do lucro, humanos viram mercadorias.
Por causa da fome muitos anarquistas vieram para o Brasil.

Pensar na formação da classe operária,
Pensar na constituição do questionamento,
Na fome europeia de dois séculos,

Penso no imigrante, penso no irmão humano,
Somos venezuelanos, haitianos,
Somos brancos, negros, vermelhos,
Somos do mundo inteiro, somos brasileiros.

Francisco Maia.

Meu tudo.


Meu tudo.

O amor, o que seria ele?
O amor, o que seria ele sem você.
Minha amada, você é tudo que eu tenho,
Meu sorriso, minha mágoa, minha vontade de viver.
Amada, o amor resume em seus seios, seu colo.

Hoje penso, sinto, a saudade, o banzu,
A tristeza de ter que viver longe de você,
Todo dia eu espero chegar para te ver,
Te amar, te abraçar, ficar de  bobeira.

O sorriso quando chego, o sorriso do filme bobo.
O beijo açucarado de teus lábios, os teus lábios
De carne macia, de seda asiática, de mel arapuá.

Minha Iolanda, musica de Chico, de Francisco.
O amor ele tem idade sim,  e momento, esse momento é te amar
Viver ao seu lado é ser privilegiado. Iolanda, Iolanda.
Francisco Maia.

domingo, 12 de agosto de 2018

O Aborto.


O Aborto.

Minha mãinha, mãe, onde estará agora? Mãe sinto falto do seu útero.
Minha mãinha, eu te esperei, andei, procurei por todos os cantos, mas nessa nova moradia não te vi, a senhora não veio me visitar, esqueceu que eu um dia fiz parte de ti. Minha mãe não sei se a senhora foi ceifada como eu fui, não sei se a senhora não passou pelo meu recorte póstumo, mas saiba mãinha que ainda vou renascer, desta vez não vou ser abortado, vou, eu, abortar.
Andei por vielas, ruas escuras, amei a noite como ela me amou e ainda ama, perdi minha mãe, deixei ela descansando no sofá assistindo a sua novela preferida, despedi com um beijo quente que sai de dentro para fora, um calor intenso, eu sabia que era o último beijo que lhe daria na minha breve vida. Fechei a porta, olhei para trás e sabia que não voltaria mais para aquele lar, casa que muitos dizem ser um barraco, desci a rua da comunidade, muitos dizem favela. Um depósito de pessoas desprovidas de recursos para morar em bairros nobres, muitos dizem ser o mérito de cada um, não sei se isso tem preceitos, mas acredito que cada um é fruto do útero que foi gerado, como aprendi na escola, o bem parido (eupátridas).
Cheguei na esquina e parei para conversar com os meus amigos, todos nós estudamos juntos, cada um numa vida diferente, meninos do morro, riamos com uma piada e no fim dela o estrondo, o barulho rompeu a noite silenciosa. Estou eu caído no chão, um projétil perfurou o meu abdome com um furinho e deixou um buraco do tamanho de uma laranja da minha costa, senti muita dor, o gosto do sangue vinha em minha boca, cuspia sangue, mais sangue vermelho jorrava da ferida aberta de minha barriga.  Hoje por onde ando estou coberto com esse vermelho, esse cheiro de sangue que não consegui me limpar, procurei lavar, esfregar, mas não posso cortar o meu corpo, ele sujo de sangue me faz lembrar do meu aborto.
Nasci em uma casa humilde, sem pai, com outros 5 irmãos, eu era o caçula não tinha quarto, a casa na verdade era um barraco tinha três cômodos, um quarto, sala e cozinha, dormia com minha mãe, não tinha café da manhã, eu tomava na escola, quando tinha. Eu nunca via minha mãe, ela trabalhava na casa de uns doutores e tinha alguns finais de semana que ela ficava para cuidar dos filhos dos seus patrões, eu recebia os cuidados da minha irmã mais velha, era ela que me levava para a escola, cozia, banhava-me e colocava para dormir. A minha irmã me tornou a minha mãe. Mãinha era mãe de outro e mucama de nossa, não de mim. Cheguei na escola um dia com tanta fome que desmaiei, não conseguia me concentrar, nem aprender, eu me achava um burro, sendo colocado de lado, nunca tinha sapatos, o meu chinelo estourado e remendado com prego, chorava, não aceitava ser tão miserável assim, tal miséria era brutal, a minha mãe não estava comigo. Por sermos pobres ela, para conseguir um pão dormido que sobrava do café do patrão ficava ausente e, eu, ficava sozinho nesse mundo de meu Deus. Os meus irmãos tentavam me ajudar da forma que podiam, um vinha com um chinelo novo, outro com comida, outro com uma camiseta, outro com a vontade de ser o meu pai. Ele ia para o asfalto com seus 13 anos vender balas de goma para me dar o que ele não teve. Eu tive uma família, não tive pai ele também me abortou, abandou e nunca me ajudou, nem ajudou os meus irmãos.
Fui abortado no dia 23 de dezembro de 2010, com os meus 17 anos, estava indo na casa da minha namorada, eu era um guri pobre de um morro do Brasil. O tiro saiu da arma de um agente do Estado. O disparo foi feito como o controle dos hilotas de uma política austera, de uma Grécia Clássica. Vago todos os meus dias nesse terreno de moribundos, esse cemitério, chão de todos, chão da humildade, da caveira, onde os vermes são os afortunados. A minha felicidade é da tristeza daqueles que não se desapegam do seu corpo e sente as picadas dos vermes, normalmente são os dos bem nascidos que não deixaram a mordomia da sua vida, a minha tristeza é ver os de classe inferiores se apegando as suas prestações. O meu tempo como guardião dessa calunga terminou, vou deixar o senhor Atotô decidir quem vai ser o novo porteiro, pois vou voltar para essa vida e terminar o que não comecei, vou abortar o maior ceifador de vidas. Vou abortar o Estado, nem que isso signifique ser guardião novamente.
Quem sabe eu possa encontrar a minha mãinha, possa andar novamente na minha favela sem sentir que ela é desigual ao asfalto tão cobiçado. Quem sabe o meu amor pela noite continue sem ter que avisar os meus amigos de infância que eles foram abortados e que a alma deles vão voar e seus corpos vão virar um banquete, possa avisa-lo que vamos resistir e realmente dar o poder para o novo povo. Ainda não vi minha mãe! Então vou ser o seu neto.

Francisco Maia.



domingo, 5 de agosto de 2018

Crônica de uma tragédia anunciada.

              Maria compra uma arma... João pega essa arma, já que Maria não compra a arma sem João saber... João pega a arma de Maria... João atira em Maria e foge... João, olha só o coitado do joão, atira em um cidadão de bem por causa de um acidente no transito. João atira no Fernando, pois João bateu no carro do Fernando e, João é absolvido, pois Fernando tinha uma arma, mas, não teve tempo de usar, mas, ameaçou João, que já sabia que Fernando tava armado. Maria mãe de Fernando chorou, Maria era casado com João Fernando que tinha um 38. João Fernando acredita que o Tauros é a extensão do seu pênis, João chorou...
Francisco Maia.

sábado, 14 de julho de 2018

Amiguinhos do presente.


Amiguinhos do presente.

Todo e qualquer filho da História, deve;
Analisar o homem em seu tempo,
Perceber que tudo é um processo,
Nada é fato de nada, morte não é permanência.

Filhos da História não acreditam em milagres,
O milagre é muito, muito conservador para...
Quem é sufista, quem  surfa na onda
Do reacionarismo, do meu e não do seu.

Filho, você é História, subjetividade,
Nasceu, cresceu, herdou a morte;
Professa a sua herança mental, contra e amarga.

Amiguinho, esqueça a maldade, o seu certo.
Olhe direito os padrões, se não pode jugar o
Homem no passado, por qual motivo quer julgar
O ser humano no seu presente!

Francisco Maia.

sábado, 7 de julho de 2018

Dona.


Dona.

Olha a morte, ela caminha entre nós,
Fita com seus olhos os amantes da vida,
Suspira em ouvidos, chama, clama,
Ela te beija, pega pelas mãos e leva.

Senhora morte, de coração tão duro,
Não leve as pessoas, elas torcem pela vida.
Senhora morte, deixe os felizes, leve os tristes,
Mãe dos desamparados, detentora do infortúnio.

Qual seria o motivo de levar pessoas felizes?
Morte,  o clamor por desaparecer dessa vida
Não significa virar comida de vermes e triste.

O glamour de deixar de existir a tristeza é perceber
Que sem ela ninguém saberia o que é a felicidade,
Morrer é um instante e a morte o sorriso do minuto.
[Dona Morte não leve os tristes, eles vão ser felizes].

Francisco Maia.

quinta-feira, 31 de maio de 2018

Poema desenhado.


Poema desenhado.

Vou falar um “bucadinhu” sobre essa tal classe média.
Todos que não possuem o meio de produção são trabalhadores.
Todos que não são funcionários públicos com estabilidades são proletariados.
Todos que vende a sua força de trabalho para sobreviver é explorado.

O trabalhador é o produtor de riqueza. É aquele que consome com o seu
Tempo de vida, é aquele que ganha o salário pela sua venda.
A tal classe média é trabalhadora, ganha o seu salário pela sua mão de obra.
A tal classe média se for mandada embora, no dia seguinte não paga suas contas.

O médio é quem fica no meio, na realidade é quem está embaixo.
O médio é quem gera a riqueza, produz na sua alienação.
O médio é quem  é exaustivamente explorado e humilhado.

A classe é um grupo que se identifica com o seu semelhante.
A classe é quem percebe a necessidade dos seus iguais.
A classe não aceita que seu irmão seja subjugado pelo dono da empresa.

Francisco Maia.


domingo, 13 de maio de 2018

Estruturando o sujeito.


Estruturando o sujeito.

O sujeito está morto, não?
O sujeito foi vencido, não?
As estruturas é que nos guiam, não?
Somos vívidos em lutas de classe, não?

O sujeito foi condicionado pelas vontades,
Foi vencido pela sua necessidade de sobreviver,
As estruturas ensinaram ele a obedecer,
Não aceitamos essas leis injustas, somos classes.

Somos estruturados em uma regra que não existe,
Somos mortos, que trabalham para ser olhados como produto,
Somos sujeitos, sujeitamos aos outros, para sobreviver.

Existe sim uma luta, um sujeito, que não enxerga,
Existe sim um classe que não se vê como classe,
Existe sim uma história do sujeito estruturado.

Francisco Maia.



domingo, 6 de maio de 2018

Homenagem.


Homenagem.
O silêncio da noite é rompido!
Um cigarro voa aceso pela janela,
Toca o solo com um impacto de quinze metros,
Um beijo de vida encontra o seu fim.

A noite ecoa nos cantos das sarjetas,
O rato passa na escuridão, luzes apagadas,
O terreno baldio é entulhado de pessoas,
Isqueiros acesos, um musical de almas.

Perdidos nas pedras que pisam, são criaturas
Criadas pela vida que passa ao lado, ela,
Não vê os trapos jogados pegando pontas.

As pontas que restam, são, uma sociedade
Demente entre carros e vinhos, pães e queijos,
Olhos nos jornais, verdades que são mentiras.
Francisco Maia.


terça-feira, 1 de maio de 2018

Poema.


Poema,
Corro, mundo, corri. Medo, medo.
Corri sozinho, te encontrei, foi um segundo.
Te encontrei, não era minha, não era teu,
Nunca fui. Perdido no soluço.
Meu amor, percebi que os teus são os meus.

Meu amor, meu amor.
O meu mundo é o seu, teu é meu soluço,
Sou gago, sou tremulo, sou medo, sou teu.
Francisco Maia.

O Cidadão de Bem.


Crônicas de um Morto.
O Cidadão de Bem.
Existe um vazio, existe um mundo paralelo, eu nem usei drogas, bem o que seria droga? Hoje penso... Droga é viver. Por Deus que não me encontrou, por Deus que me deixou, por um Deus humano, um de carne e osso. Não tenho mais ossos, fui devorado e assisti, merda (blasfêmia). Merda. Sou merda de vermes, fui comido, devorado, senti dor, rezei, ninguém apareceu, apodreci, fedi. Cara! Merda. Achei a minha vida toda que era um cidadão de bem.
Cresci em uma família religiosa, senti a religiosidade, eu acreditei que tinha que fazer igual o meu pai, pensei que seria amado, seria louvado, alcançaria os céus. Me fodi todo, não tenho mais pudor em falar palavrões, estou com pessoas, almas que praguejam toda hora, gemem, sente dor, isso é de enlouquecer. Parem. Eu grito.
Sempre segui as regras que me beneficiavam, eu era moralmente correto, eu dava conselhos, eu orientava casais, era uma pessoa que trabalhava, classe média, eu não tinha a minha indústria, mas trabalhava bastante, e o meu patrão gostava, na verdade era o meu gerente, nunca vi o dono da fábrica. Eu sempre fui competente, e recebia um salário bom, eu era classe média. Pena que quando percebi que empregado não é classe média era tarde de mais, fui mandado embora e os meus rendimentos sumiram, passei necessidades, mas não me importei, sou fiel a Deus, ele me proverá, bati as minhas panelas e  o emprego voltou a bater em minha porta, lutei contra a corrupção do meu país. Tinha esse falso orgulho, seria eu um cidadão de bem naquele momento.
The Doors.
Deixei o meu caixão, foi muito duro abandonar o meu corpo podre, deixei o que eu era em vida. Parti, andei, tudo era nebuloso, escuro, batia a fome, não tinha comida nem água, via pessoas gritando, um horror. Eu  não era daquele lugar, por qual motivo estava ali? Vi uma porta e nela tinha uns sentinelas, soldados, fui questionar, por qual motivo eu estava nessa penúria? Eles riram da minha cara, e me acorrentaram. Fui levado arrastado para dentro de uma cidade, essa cidade parecia um antro de perdição, tinha tortura por toda parte e prostituição, tinha dor e gemidos, uns tão constante que atordoava a própria alma.
Andei por horas, me levaram por toda a cidade, servi de chacota para todos. Me olharam, riram, jogaram merda, (fezes humana), aliás a cidade toda fedia a enxofre e dejetos humanos. Deixaram-me na frente de um trono, uma cadeira dourada que tinha umas tochas acesas do lado, fiquei ali de joelhos, o meu corpo estava todo ralado, me puxaram pelo pescoço quando não consegui andar, me arrastaram por todas as ruas, me senti humilhado por pessoas que eu acho inferior, bandidos, prostitutas, malandros e favelados.
Passei a noite toda jogado na frente daquele trono, não tinha sol, não tinha hora, o tempo não passa aqui, o sofrimento é árduo, mas na minha cabeça já tinha passado uma noite toda, apesar de não ver o sol rompendo as trevas da noite, eu estava em trevas e não entendia o motivo, cara! Eu sou um cidadão de bem. Os gritos de desespero e os gemidos aquietaram, o silêncio tomou conta do ambiente, tudo quieto, uma quietude ensurdecedor, corroeu a minha alma esse silêncio. Rompeu a escuridão o estrondo de uma gargalhada, o silêncio dos gemidos e gritos ainda continuou, parecia que o medo tinha cheiro, e todos ficaram trêmulos diante da gargalhada. O trovão veio em forma de berro. Quietos, sou o seu Senhor e vou falar agora.
- quem é esse trapo que esta na frente do meu trono?
E uma mulher falou.
- é o cidadão de bem.
As gargalhadas entoaram, era uma musica horrível, risadas e vaias vindos de todos os lados.
O grito veio mais uma vez. – silêncio. A voz afirmou.
                E me foi permitido falar. Eu questionei o motivo de estar nessa miséria, sendo que eu sou um cidadão de bem. É um teste pela minha fé? Eu quero falar com o Cristo ou com quem manda nisso, não tem graça fazer isso! É uma brincadeira de mau gosto, eu sempre fui correto, sempre fiz tudo conforme a moral e a ética dos escritos. Eu sou um discípulo.
E o homem vestindo vermelho, com aparência demoníaca me interrompeu com um risada e logo com uma palavra. – Calado seu puto. 
- quero ver os autos desse pau no cú.
Foi quando uma figura que não parecia homem e nem mulher levou para ele um livro grande. A figura demoníaca me olhou e balbuciou. – Eu que mando aqui, tive várias vidas, e preferi viver nessa cidade, eu sou absoluto, e você maninho esta aqui, não por acaso, de cidadão de bem você não tem nada, tu deve e sou eu que vou cobrar.
A morte meu caro é apenas um estágio, eu sei pelos autos que você traiu a sua esposa, você andou com prostitutas, você teve casos com transexuais, você sonegou imposto, você dirigiu com o celular no ouvido, você pegou dinheiro da carteira de outra pessoa, você indagava sobre a meritocracia falando que pobre deveria morrer, você furava fila e ademais falava para sua esposa estufar a barriga para passar na fila de gestante, você pregava a palavra e não cumpria dentro da sua própria casa, você subornava policiais para não ser multado, você cobrava o dízimo e não repassava um centavo para os necessitados, você era vaidoso, comprava terno de grife e carro do ano para se sentir melhor que os outros da sua comunidade, você traia todos por dinheiro, pregava uma palavra que tu não cumpria. Era um cidadão que de bem não tem nada. Você é nosso agora. O divorcio não era algo que tu pregava, mas agora eu te dou, na verdade eu dou para a sua esposa, ela tá livre de você, ela vai para outro lugar, não vai mais apanhar, ser traída e não vai pegar doenças de ti, ela vai ser feliz  com o fim da vida dela, aliás ela já está sendo feliz. Você me pertence, pertence a esse mundo, a dor, que tu sentes não é nada após a minha sentença, esse homem vestido de mulher não esta aqui por ele ser homossexual e sim por ele odiar. Os Homossexuais que realmente são cidadãos de bem não vem prá cá. Eu nunca vi um. Todos que estão aqui é porque andaram com um e depois apedrejaram ele por casa da sua hipocrisia.
O cidadão de bem é aquele que realmente é empático, sente a dor do outro como se fosse a sua própria dor, é o ético realmente, não faz nada para o próprio benefícios amiguinho, agora tu fala em sua defesa, aqui bandido bom não é o morto, e sim quem morreu, achando que era bom. – Gargalhadas surgiram nesse momento.
Eu fui me defender, não tinha advogado, nem um direito, nada. Não tinha direito a um defensor, não tinha direito a vida, tudo era censurado, nem habeas corpus, meu, eu estava em um tribunal de exceção, e os direitos humanos? Era um absolutismo total, um pesadelo de repressão, eu, um cidadão sem os meus direitos. Não é certo.
Em minha defesa pedi perdão a cada um dos pecados que ele afirmava, e todos aceitaram, o perdão é divino e se a minha esposa aceitou eu estou redimido, se o fiel acatou o que fiz com o dinheiro do seu dízimo era por motivo maior, se eu fui um trabalhador que usou sua panela errado foi por motivos sociais. Riram mais uma vez, eu não tinha ninguém para me defender. Fui humilhado mais uma vez. E o cara que estava sentado no trono chamou alguém, fiquei na espreita, esperei que me defendesse.
- Moça do cabelo, ele gritou.
A mulher entrou, logo veio discursando, entrou com uma história triste, que ela traía o marido por status sociais, que fazia caridade pra aparentar uma pessoa boa, que dormia sem remorso, mas que fazia tudo para o bem comum, que ela fazia tudo o que fez para a sociedade que vivia, ela não se achava culpada e que tinha que falar com Cristo. Logo percebi que todos que se dizia cidadão de bem estavam sendo julgado ali e que realmente não éramos tão do bem assim. A sentença dela foi logo posta, e ela retirada. Não sei o interesse por mim, mas fiquei ali. Ele me olhou, fitou bem nos meus olhos. – Você não se arrepende do que fez, você é interessante, é você que diz que a morte com desespero é a melhor punição, por isso o meu julgamento vai ser severo, aquele que prega a severidade tem que ser tratado igual.
Levem ele daqui, coloquem ele na roda da lembrança, a punição dele é ver a sua vida todos os dias, apodrecer sentindo que a morte não era a libertação, mas sim a forma correta dele perceber que, ser um ser de bem é sentir a dor do outro, ele vai sentir dor todos os dias, não vão ser os vermes que vão dar essa dor, mas a consciência dele que vai lhe proporcionar a dor de não ter feito, de ter julgado, de ser racista, de ser homofóbico, de ser machista, de ser um ser podre, vazio. Adore essa gente aqui, eles são o que você sempre gostou! Ele vai passar muito tempo conosco, ele não se arrependeu de nada, é uma alma minha. Adoro! Tudo é uma aprendizagem, nada é por acaso.
Francisco Maia.