sábado, 15 de dezembro de 2018

O menino religioso da internet.


Crônicas de um morto.

O menino religioso da internet.

Desci, andei por uma hora, eram degraus, véio, rodei meio mundo nessa descida. 

Karaí, foi feio o meu sacode, vi que o meu corpo, era apenas bagaço de laranja,

Esvaziei o meu corpo, não tinha mais nada pulsando nele, o sangue coagulou nas veias, os nervos amoleceram e os músculos enrijeceram, não lembro ao certo, sei que o corpo estava na vala, cavado com uma enxada, uma cova rasa, olhei de cima e vi que esse ele era eu, meu corpo.

Morri em um dia 13, um treze que foi como um ato institucional no meu nascimento no dia cinco do doze de 1968, estava sentado e o suspiro sumiu dos meus lábios, o pulmão parou de puxar, os olhos vidraram na parede, e o cérebro só percebeu o teto, estava caído, agonizando, não respirava, sentia a vida sumir, minha consciência lentamente adormecer, dentes rangendo, a minha língua cortada.

Perdi, o jogo não era meu, aceitei, fui para longe do meu corpo morno, olhei o túnel, mas não tinha túnel, olhei para frente, não tinha frente. Procurei os meus dedos, não estavam no meu celular, não tinha um celular, nem uma foto para postar, nem uma curtida, karaí, que porra aconteceu comigo?  Morri em um dia de sexta. Percebi que não poderia mais voltar para as minhas redes sociais, não tinha como criticar a morte por não viver fora do meu quarto. Não tenho mais a “minha opinião”.

Eu percebi que tudo estava escuro, reparei que as minhas roupas estavam rasgadas, o meu pé esta na lama, uma escuridão, eu não via nada, sentia frio, não tinha corpo mas tudo doía, os meus olhos então. Sentei e senti uma fome que parecia que o meu estomago estava digerindo ele mesmo. Ouvi gemidos, berros, agonia em todos os lados, eu senti medo, eu estava longe do meu computador, do meu quarto, estava desprotegido, não podia xingar ou achar, estava torcendo para achar uma luz na meio da escuridão frenética.

Andei, e me sujei mais do que já era, desci com a alma suja, uma sujeira que não adiantava lavar, um risco de moral é o que brilhava na minha veste resgada, encontrei um ser estranho, não era humano, era uma fera, de correntes dobradas no pescoço, tinha um rugido de besta, uma besta que me agarrou pelo braço, um apertar forte, tão forte que parecia que ia arrancar ele fora. Olhou bem nos meus olhos, soltava uma brasa das suas ires, uns dentes atravessando os lábios. Me puxou, me acorrentou com as correntes que trazia em seu pescoço e me fez andar a base de chibatas. Apanhei, apodreci, desfaleci por muitas vezes, os dias eram eternos, as noites nunca sumiam de lá, e eu sendo violentado sexualmente por esse e outros seres.

Tinha que fazer de tudo, virei um escravo, me ferrei todo. E começava a lembrar da minha vida na terra e comecei a perceber os meus pecados e o motivo de estar sofrendo tanto. Não existe paz depois da morte pessoas. Carregamos conosco o nosso preconceito, a nossa arrogância, os nossos privilégios, que lá não são privilegiados. Morrendo não só viramos comidas de vermes, mas vermes prostituídos, sem gêneros, só prazer para satisfazer aqueles que nos estimularam a cometer os nossos erros e ainda acharmos melhores que os outros.

Nunca mais na minha eternidade, nunca mais, cometerei o erro de julgar e agir de forma equivocada e sem amor só por que estava no meu quarto, no meu computador, em uma rede social. E achei que o odiar me livraria do inferno e me levaria para o céu. Fui para o inferno por mandar pessoas diferentes ir para lá.  Eu nunca vi ninguém diferente, só vi iguais e, percebi que a minha moral e religião só fez de mim um instrumento de abuso e violência. O meu corpo virou um bagaço de laranja no salve que levei nos porões da cidadela do meu ídolo Ustra. 

Francisco Maia