sábado, 15 de dezembro de 2018
O menino religioso da internet.
Crônicas de um morto.
Esvaziei o meu corpo, não tinha
mais nada pulsando nele, o sangue coagulou nas veias, os nervos amoleceram e os
músculos enrijeceram, não lembro ao certo, sei que o corpo estava na vala,
cavado com uma enxada, uma cova rasa, olhei de cima e vi que esse ele era eu,
meu corpo.
Andei, e me sujei mais do que já
era, desci com a alma suja, uma sujeira que não adiantava lavar, um risco de
moral é o que brilhava na minha veste resgada, encontrei um ser estranho, não
era humano, era uma fera, de correntes dobradas no pescoço, tinha um rugido de
besta, uma besta que me agarrou pelo braço, um apertar forte, tão forte que parecia
que ia arrancar ele fora. Olhou bem nos meus olhos, soltava uma brasa das suas
ires, uns dentes atravessando os lábios. Me puxou, me acorrentou com as
correntes que trazia em seu pescoço e me fez andar a base de chibatas. Apanhei,
apodreci, desfaleci por muitas vezes, os dias eram eternos, as noites nunca
sumiam de lá, e eu sendo violentado sexualmente por esse e outros seres.
Tinha que fazer de tudo, virei um
escravo, me ferrei todo. E começava a lembrar da minha vida na terra e comecei
a perceber os meus pecados e o motivo de estar sofrendo tanto. Não existe paz
depois da morte pessoas. Carregamos conosco o nosso preconceito, a nossa arrogância,
os nossos privilégios, que lá não são privilegiados. Morrendo não só viramos
comidas de vermes, mas vermes prostituídos, sem gêneros, só prazer para satisfazer
aqueles que nos estimularam a cometer os nossos erros e ainda acharmos melhores
que os outros.
Nunca mais na minha eternidade,
nunca mais, cometerei o erro de julgar e agir de forma equivocada e sem amor só
por que estava no meu quarto, no meu computador, em uma rede social. E achei
que o odiar me livraria do inferno e me levaria para o céu. Fui para o inferno
por mandar pessoas diferentes ir para lá. Eu nunca vi ninguém diferente, só vi iguais e,
percebi que a minha moral e religião só fez de mim um instrumento de abuso e
violência. O meu corpo virou um bagaço de laranja no salve que levei nos porões
da cidadela do meu ídolo Ustra.
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