quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Crônicas de um Morto.

Crônicas de um Morto.

Estou nauseado, já faz dias que sinto esse cheiro de carniça, de carne podre, tudo é escuro, os meus olhos só podem ver um tampão, sinto dores e percebo buracos que se mexem entre o meu corpo, dói muito. A carcaça que carreguei em vida, virou um banquete... Tenho vermes entre os meus dedos, tenho falto de vida nos meus pulmões, sei que esse odor vem do meu corpo já podre. Tento sair, correr, fugir, mas estou preso no canto de terra cavada, o que me restou de vida, um terno mofado e flores. O cheiro de podridão é tão grande que a minha alma chora com o ardido nos olhos, o vento que não sopra... O rosto que não tem mais o toque da brisa, o calor que me consome. A pedra que foi existir, uma breve e lamentável vida, durou o suficiente. A morte, sua longa existente me condena ao exilio, exilio de chão, chão de morro, de morte morrida pela vida levada ao extremo.
Começou em uma tarde de novembro, o trabalho tinha terminado eu estava indo para casa, louco para tomar um banho e dormir, do nada veio um velho, um andarilho e no sinal de trânsito me perguntou.  Eu estava com a janela do carro fechada. Olhei do lado e logo o vi, abri a janela, e indaguei sobre o que ele queria, ele logo me respondeu. Nada meu amigo, só te avisando que logo tu estarás entre os mortos.  Achei bem louco o senhor que era mais louco que eu, ri por um instante e continuei a minha trilha.
Cheguei em casa e foi tomar um banho, logo uma dor me contou os passos até a sala, no som estava tocando um Tim Maia, cambaleando ainda cai no sofá, achei cansaço, mas a mórbida morte me esperava.  Acordei no murmúrio, choro e piadas, contos de outrora e exaltação, de primeiro eu achei que era uma embriaguez, uma festa surpresa, onde tinha o choro de alegria e a alegria dos meus feitos, percebi então, que os meus parentes e amigos mais próximos não estavam felizes, estavam emburrados, com uma cara qual tal um trapo.  Tentei ser o mais lúcido o possível, examinei todo o contexto que me cercava.
Percebi que os meus olhos fitavam os meus próprios olhos, e tudo cheirava a flores, consegui olhar em volta de onde eu estava deitado, e logo vi que não era o meu quarto, ou muito menos a sala da minha casa, logo percebi que tinha algo de estranho, tentei me levantar, o corpo tinha um peso estrondoso, pensei: Jesus, que merda eu estou tomando! Não me lembro de tomado cerveja, ou algo alcoólico. Então o quê poderia ter me derrubado desse jeito? Veio a minha mente o senhorzinho do semáforo.
Que porra, morri! Caralho! Como assim? Eu morri e acordei na festa que eu queria esta vivo. Todos os meus amigos e familiares lá. Logo reparei na tristeza, na lamuria e choro, e senti pela a primeira vez na vida que estava morto. E comecei a observar todos a minha volta, era alma? Não sei, pois o corpo estava inerte no caixão, pior, ele era bonito, pena que a terra ia comer ele junto com a minha carne.
Quando percebi já estava sendo sepultado, a tampa do caixão caiu suavemente sobre a minha face, e eu não conseguia mais ver ninguém, só conseguia sentir os passos dos que me carregavam para a sepultura, nesse momento tomou de minha alma uma fúria, de tal tamanho que eu não conseguia sair daquele maldito caixão, d’quela porra que me colocaram.
Deitado, de terno e com aquelas flores não foi uma coisa pensada por mim, foi um improviso de alguém, só pode. Pensei: um corpo morto cheio de flores, essa merda não vai dar certo, vai feder pra caramba. Vai que eu não fique lá? Vai que? Me fudi, tive que ficar até os vermes terminarem de correr os meus ossos.
Desceu à corda, o povo começou a jogar areia no caixão, escutei o barulho, tentei gritar, mas foi em vão. Credo nego, bah. Defecaram pra mim piá. Fazer o que, morri e ninguém sabe que tenho consciência no corpo inchado. Isso não foi o pior, o pior foi os dias que passei trancado no caixão sem poder sair... Mas isso é só ler o começo dessa crônica....
Francisco Maia.

   



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